Epígrafe Provisória

"Quanto mais a moda é feia, mais o povo acha bonito" - Juraildes da Cruz

Sons de sim – "Enfeites de cabocla"

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Precipício



















Escalava
ocos da vida
por tortos
andaimes
de poder.

No cume,
sem saber,
beirava seu
P
R
E
C
I
P
Í
C
I
O
particular.

Apalpou
o clímax
da estranheza,
e até cães,
inclinados a
uma cega
fidelidade,
se furtaram
àquela
perigosa
amizade.

Só,
despencou
no vão
de sua
existência.

Uma existência
aguda.
E absurda.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Rosa faltante


O amor na realidade é o que me dói
não havia nesse campo flor alguma
nem campo havia
mesmo assim achastes encanto

Sinto saudades, saudades de tudo,
e sem argumentos falo do coração,
essa coisa que sempre tem uma coisa de menos
onde é difícil de entrar, e só o podeis com carinhos.
Nele é impossível chegar com pancadas,
ou morar sem sonhos.
Porém, se entrardes e depois sairdes, deixareis bem mais do que trouxestes.

Procurais a porta, mas não vedes fresta, nenhuma frincha,
e sem elas o coração apodrece.
Agarrai esse suave fio de luz
para com ele atravessardes as grossas paredes.
Nessa lâmina tão frágil, que não se distingue
se é luar ou o resto de um sol quase morto, intimidado,
podereis mergulhar no abismo pulsante de amor, mentiras, medos e morte.

Nesse instante percebo a rosa,
tenho-a infinitamente,
sim, tenho esta flor
num coração de pedra esfalfado.
Nele surge um império de desconfianças
cujas cores iluminam este sertão
onde cultivo minha personalidade
para não morrer antes da morte senhora.
Tento não me perder.
Tento cultivar-vos.
Tento ganhar a rosa das minhas saudades.

Sinto saudades.
Saudades imensas, generosas, saudades de tudo.



quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Limpeza

foi ontem de tardinha
e que boa tinta tinha
no sangue dos humanos

a descoberta desse nó
deu se quando Carijó
foi coberto pelos panos

tombou um prócer de facção
frente a venda de Zé João
e à terra tornou o pó

eram dezoito e trinta
no chão havia a tinta
extraída do Carijó

que a vida teve exangue
mas não tendo bom sangue
quem houve que o sinta?

à bala feito o serviço
tudo ficara por isso:
antiga vingança de gangue

bateram foto, relatório
polícia deitou falatório
o corpo virara enguiço

"Limpe a rubra mancha
que só não se desmancha
e as puta vêm pro velório"

Um cão chega mansinho
não do trafica, do vizinho
lambe a infame passagem

desse impregnado chão
da esquina de Zé João
e vai manchando o focinho

de Carijó restou o cheiro
de seu sangue e um cruzeiro
que a polícia não levou

nem cachorro, nem Zé João
nem polícia, só podridão
foi o que, no fim, restou








sexta-feira, 21 de agosto de 2009

DEUS©

Você escutou isso?
Sim, está patenteado.
Todos os direitos são
exclusivos.
Já tinham pedido usucapião.
Coitado, nem deixaram que se manifestasse
seu tamanho desapontamento,
pois quem devia
dele ser instrumento
se vê dono e seu patrão.
O contrato? São muitos, muitos mesmo.
Na verdade, foi sequestro.
De resto, para o mínimo benefício
nos exigem sacrifício.
O dízimo só concede
a regalia de pedir.
Para obter, tem que multiplicar
a fé pelo ofertório.
Nada vira pão, mas,
na conta do bispo, já é mais de milhão.
que só não é mais
que a condenação
de humanistas ateus liberais.
Para esses,
o caldo de satanás.

Amarrado, DEUS©
não pode agir
além do limite estreitado.
Antes palavra,
hoje vive amordaçado,
não obstante
lhe queiram e empenhem tanta atenção.

No livro ele se fazia mais sagaz,
mas tem caído em cada armadilha...
Nem parece o mesmo desbocado
a desclassificar a gente mesquinha.

Hoje ele fala muito em dinheiro.
E de dinheiro travava rinha homérica,
mas para desfazer, não para juntar.
Até o aprendiz com o mestre
viram os príncipes tudo deixarem
na soleira do sétimo círculo.
Se nem o inferno tolera o ouro,
por que vale tanto pro céu?
De fato, é apenas papel,
ou nem isso.
"Doai seus bens materiais,
assim tereis sempre mais!".
Bem se vê na Mercedez,
no apartamento bacana
e nos restaurantes grã-finos
onde os filhos do bispo
jantam toda a semana
o pedaço mais sangrento
das minhas dívidas plurianuais.

DEUS© gosta de violência
se especializou em atacar
as [in]consciências frágeis,
no entanto imodestas,
a ponto de dizerem que,
parcial, até gol marca
nas pelejas de futebol.
Ele ou um dos seus donos
fanaticamente sem graça
pelo favor dEle e preferência injustificada.

A graça, é que DEUS© era um capone:
forneceu bebida a quem desanimava da festa.
Hoje não dança mais nem música pode ele ouvir.
Porque os mantras dos seus orfeões
não alcançam tal dignidade.

Como se domesticou!
Como no Circo da Fé,
repete graças ao
publiquete dominical,
revelando aos cegos
sua míope visão
da tendência Universal.

Agora, DEUS©, pela voragem atual,
escarnecido e destituído de sua antiga majestade,
cultua o bicho humano e idolatra
a bisparada selvagem.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Terra rasgada

Gente briguenta o véio Amâncio.
Não peleja com homem nem com deus.
Discute com o solo, abrindo as covas,
e mata, se mata e morre pelos seus

três fiinhos: joão, dudu e josé.
São três rebentos que mourejam
na rinha encardida e seca do sertão
por água que nuvens nunca gotejam.

Água pelo menos dava mainha,
salgada de lágrima derramada
que a sede não mata, mas perturba.

Amâncio viu o jorro da lapinha
mas a terra estava menstruada.
Como sangue, era água séria, turva.


sábado, 25 de julho de 2009

Caderno de receita

Olho pra a mesinha de centro
– Um caderno. De quem seria?
Não o reconheço, por certo,
mas foi de mulher um dia

A capa de camurça vermelha,
pouco rasgada, muito rabisco,
tem colada uma figura pequena
de guloseima e outro petisco

Abri na primeira folha, manchada,
sua leitura me agarrou curioso
e lancou-me do tempo à distância

do que escrito por mão delicada
a receita dum pão delicioso
e mais gostosuras da infância